Princípio de filosofia moral recomenda não separar os meios dos fins: o meio faz parte do fim. Em suma, o caminho é, em si mesmo, o destino. O cinismo político parte da posição contrária: na busca pelo poder, ou na luta pela sua manutenção, todos os meios se legitimam. Daí a mal chamada ética da responsabilidade, que celebrado sociólogo, no exercício da presidência da República, defendeu, ao citar Weber em aula magna – emblematicamente proferida em um hospital para médicos e enfermos. A ética repele adjetivos; é ou não é. Naquele governo não foi, mas o presidente era o enfant gâté dos aristocratas e banqueiros, nacionais e internacionais, e seus vícios – como as privatizações, que fizeram fortunas imensas – foram convertidos em virtudes pelos seus áulicos e beneficiados.
A política é, e sempre será, o confronto entre uma posição e a outra: entre os que, em nome da ética, consideram os fins como o prolongamento dos meios, e os que, na apologia do realismo político, justificam os vícios dos meios como construtores de hipotética virtude final.
O governo, para a preocupação de todos os brasileiros sensatos, está a caminho de uma crise política, que pode ser vencida rapidamente ou conduzir a resultados indesejáveis. A presidente da República se encontra em um labirinto que as circunstâncias levantaram em torno de seu gabinete. Os compromissos, naturais e inevitáveis, assumidos durante a campanha, não lhe permitiram usufruir das prerrogativas constitucionais de escolher livremente os seus ministros. Teve que atender aos partidos que constituem a maioria parlamentar, nesse regime teratológico de que padecemos, que não é presidencialista, parlamentarista, ou congressual - como o dos Estados Unidos - mas sim, de promiscuidade entre o três poderes. Fala-se muito em reforma política, embora sempre se pense em reforma eleitoral, mas ela não se fará sem que ocorra uma revolução, não necessariamente violenta, mas a cada dia mais provável.
Os homens públicos devem partir do princípio de que o mandato não é um negócio que enriqueça, mas um serviço que deve ser compensado com subsídios decentes. É um erro considerar elevada a remuneração dos altos servidores do Estado, em qualquer um dos poderes; por mais altos fossem – e não são - onerariam menos o povo do que os custos históricos da corrupção. E é erro ainda maior permitir que parlamentares exerçam – como mais de duzentos o fazem - determinadas atividades durante o seu mandato. Um médico poderá manter a sua clínica, assim como um jornalista continuar assinando a sua coluna, ou um arquiteto a riscar os seus projetos, desde que não o façam para o setor público. Mas é evidente que um parlamentar, sobretudo quando conhece os segredos de Estado, não pode ser consultor de empresas, de quaisquer empresas, como centenas o fazem, convém repetir. Mesmo que seus clientes não sejam do setor público, os seus conselhos, fundados na experiência de servidor da República, constituem vantagem competitiva que, embora não prevista nas leis, configura concorrência desleal no mercado.
A estabilidade política, em qualquer país, está acima da inocência ou do pecado. A história dos povos registra momentos em que a ingenuidade construiu crises, e outros, nos quais a delinqüência era evidente para conduzir à queda dos governos. É bom recorrer sempre à advertência de Richelieu de que os Estados, sendo instituições temporais, não gozam do privilégio divino da salvação eterna: eles podem perder-se em um minuto, vítimas de decisão equivocada do soberano.
É inimaginável que homens públicos responsáveis, inocentes ou não, se recusem a deixar qualquer cargo, quando a sua permanência coloca em risco o governo e os interesses soberanos da República.
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