quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A RESSUREIÇÃO DO PMDB

O grande beneficiário da onda moralizadora de nossos dias brasileiros poderá vir a ser o PMDB: escoimado que seja dos que o maculam no exercício de cargos públicos, o partido, ainda o de maior capilaridade no Brasil, e com o maior número de filiados, poderá recuperar o seu espaço na opinião nacional.

Há velho axioma de que, na realidade, há apenas dois partidos em todas as comunidades políticas: o dos conservadores e o dos progressistas, enfim, a direita e a esquerda.

Quando surgiu, no bipartidarismo imposto pela força ditatorial, o Movimento Democrático Brasileiro reuniu em suas fileiras o melhor que havia em nosso país. A legenda era seletiva pela imposição da realidade: a ela aderiam os que podiam contar com as dificuldades e não esperavam benesses. Assim, reuniu amplo espectro, que ia da esquerda mais radical aos melhores homens do partido de centro, o PSD. Na Arena se juntaram os velhos golpistas da UDN e seus satélites e, como sempre ocorre em situações parecidas, alguns oportunistas, entre eles experientes peculatários e aspirantes às aventuras da corrupção.

Como todos os partidos políticos, em todos os tempos e lugares, o MDB não era uma legião de anjos. Ao reunir pessoas de todo o país, de todas as crenças, o partido acolheu também os que esperavam, nas reduzidas oportunidades oferecidas, obter algumas sobras do poder. Não obstante essas dificuldades, e a natural divisão entre os mais à esquerda e os mais à direita, como sempre ocorre em todos os partidos – a agremiação contava com o bom senso de seus grandes dirigentes, que o mantinham, em seu todo, no centro do espectro político, o que, naquelas circunstâncias, significava a esquerda possível. Ulysses e Tancredo, com a força de sua honra e dignidade pessoal, conduziram o MDB – e depois PMDB – dentro dos módulos republicanos. Infelizmente eles se foram, na hora em que eram mais necessários, e com os dois partiram também homens da mesma estrutura de caráter, como Teotônio Vilela e Miguel Arraes, Franco Montoro e Renato Archer.

Sob o peso e maldição de uma sociedade patrimonialista e profundamente injusta, e com os aleijões trazidos pela legislação arbitrária, a redemocratização foi e continua sendo processo difícil. Contando com uma classe política - na definição de Gaetano Mosca - em processo de reacomodamento, o país e o mundo passam por um período crítico. No atual momento brasileiro, a discussão ética favorece a reaglutinação do velho MDB, como estímulo a nova e poderosa coalizão política, necessária aos desafios da atualidade nacional. Contribuem para isso os episódios destas horas e dias, em que as denúncias comprovadas de corrupção permitem a purga, inevitável e necessária, em suas fileiras. O Brasil parece destinado a não compactuar mais com o velho estilo da política, de que são exemplos alguns dos ministros obrigados a se demitir do governo atual. No caso de pelo menos um deles, Nelson Jobim, a razão foi outra, o Ministro não se encontrava à son aise na equipe governamental, nem a presidente Dilma Roussef se sentia confortável com a presença de um auxiliar que se comportava com atrevida arrogância, e não com a postura de um chefiado.

O PMDB é interclassista , e tem seus votos bem distribuídos em todo o Brasil; não se identifica com a direita internacional, como ocorre com o DEM; nem com a mal chamada social-democracia européia, como o PSDB e outros partidos menores. Se seus filiados e alguns de seus dirigentes tiverem a coragem de jogar ao mar o peso excessivo representado pelos passageiros e tripulantes inconvenientes e suas bagagens, é provável que a embarcação singre com mais facilidade os mares tempestuosos, contribuindo para a estabilidade do governo, do Estado e da nação.

Quanto mais próximo estiver dos ideais passados, maior será o peso de seu apoio aos esforços da presidente da República, na tarefa de administrar o Brasil nestes dias de turbilhão no mundo e de responder às necessidades internas prementes – como as de prosseguir na redução das desigualdades; desenvolver a economia ao ampliar o mercado interno; assegurar o bem-estar de nosso povo. É para isso que existem os estados nacionais e é para isso que os cidadãos elegem os seus representantes.

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A CORRUPÇÃO E A AUTONOMIA DO DF

É provável que a marcha contra a corrupção, realizada em Brasília, venha a evoluir para dar estrutura popular ao movimento pelo fim da autonomia do Distrito Federal, que se limita hoje a personalidades do mundo jurídico e intelectual da cidade. Embora a corrupção seja fenômeno universal, e não se trate de pecado singular de Brasília, na cidade ela é associada à esdrúxula autonomia política concedida ao Distrito Federal pela Constituição de 1988.

O movimento pela redemocratização previa a “representação política de Brasília”, isto é, uma bancada parlamentar que representasse seus cidadãos na Câmara e no Senado, como ocorria antes da transferência da capital. Os constituintes de 1988, no entanto, por pressão de eminentes personalidades políticas, como foram Ulysses Guimarães e José Aparecido de Oliveira, decidiram, contra o bom senso, ir além e converter, na prática, a sede de uma República Federativa em novo e privilegiado estado da União. Privilegiado, porque as suas despesas maiores são pagas pelo povo de todo o Brasil, via orçamento federal.

Entre outros problemas disso derivados, os servidores públicos do Distrito Federal são muito mais bem pagos do que os dos Estados, o que provoca as naturais reivindicações de equiparação, como ocorre agora, no caso dos bombeiros e policiais militares.

É provável que a Câmara Distrital – que não devia ser mais do que uma câmara de vereadores – não seja a mais corrompida do Brasil, mas se não for, não está tão distante disso. Excluídas algumas personalidades conhecidas pela sua honra – e se destaque, pela conduta com que governou Brasília, exerceu o Ministério da Educação e se comporta no Senado, o professor Christovam Buarque – o mundo político do Distrito Federal é, em grande parte, lamentável. Não se sabe se é de se deplorar mais a ignorância do que seja política, ou a voracidade na extorsão. Como entre os acusados de corrupção durante o governo Arruda se encontra conhecida deputada federal, que foi “absolvida” pelos seus pares, não obstante provas gravadas e divulgadas em todo o Brasil, a relação entre a corrupção na cidade e a autonomia política da cidade se faz naturalmente.

Brasília foi concebida e construída para ser sede de uma república federativa. Já a Constituição de 1891, que estabeleceu a mudança da capital, determinava que ficaria pertencendo à União um quadrilátero no planalto central a fim de nele localizar-se o Distrito Federal. Sendo propriedade da União, só a União deve exercer no território a plena soberania política, não se admitindo aí a autonomia concedida aos estados federados. Brasília é a sede comum de todos os estados brasileiros, reunidos na Federação, não é a capital de um estado. Seus administradores, sendo eleitos, como são hoje, julgam-se chefes de estado, e não simples prefeitos. O absurdo é tamanho que as secretarias municipais (porque, no fundo, não passam disso) se intitulam “Secretarias de Estado”, e os governadores, com a exceção citada, comportam-se como se governadores de estado fossem.

O Presidente, na sede da República, não passa de um hóspede do governador do Distrito Federal, sem o poder de determinar nem mesmo o uso racional do espaço público da cidade. Entre as várias propostas para resolver-se o problema, há a de que se considere, como Distrito Federal, apenas o Plano Piloto, e as cidades satélites se convertam em municípios de um novo Estado. O Plano Piloto passaria a ser administrado por um prefeito nomeado pelo Presidente da República.

Há uma resistência obstinada dos políticos de Brasília a essa ou a outra solução mais racional, que seria a da revogação, por emenda constitucional, da autonomia, que não constitui cláusula pétrea da Carta. Mas, se não ocorrer uma saída ou outra, dentro de algumas décadas o Brasil terá que construir outra capital, porque Brasília perderá todas as condições políticas para sediar a Chefia do Estado Nacional e do governo da União.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A VEZ DOS BRICS

A crise dos Estados Unidos e da Europa, a cada dia que passa, evidencia ainda mais, para o observador atento, os acertos alcançados pelo BRICS.

Na gênese do beco sem saída em que se meteram, os estados ocidentais cometeram dois erros fatais:

Permitiram que se instalasse e consolidasse, durante anos, uma situação de irrestrito laissez-faire, limpando o terreno para o surgimento de áreas nebulosas de especulação, como a do subprime e dos derivativos, e deixando que ali medrasse uma estéril e arriscada “economia de papel”, em detrimento da economia real, orientada para a geração de bens e produtos, renda e emprego, e para o atendimento das necessidades também reais, dos seres humanos.

Por outro lado, ao mesmo tempo, os Estados Unidos e a Europa se endividavam até o pescoço, para manter um status-quo historicamente insustentável, tanto do ponto de vista militar, como é o caso, principalmente, dos norte-americanos, quanto do ponto de vista de consumo, conservando artificialmente o padrão de vida – e, em conseqüência, a arrogância – de seus povos, em um patamar muito acima do restante da humanidade.

Enquanto isso, governos como o da Índia e o da China, seguindo o que a Coréia do Sul e o Japão haviam feito anteriormente, coordenavam sinergicamente todos os setores da sociedade para criar - sem a oposição, como acontece no Brasil, da imprensa conservadora e dos “agentes” do mercado - uma miríade de grandes empresas locais, no início com financiamento público e depois com participação privada, para fabricar automóveis, eletroeletrônicos, roupas, softwares e outros bens de consumo.

Fiscalizavam rigorosamente os bancos. E investiam na economia real, incorporando, nesse processo, pela criação de empregos e a melhoria das condições de educação e capacitação, dezenas de milhões de cidadãos ao mercado de consumo.

Na Rússia, na Índia e na China, o primeiro objetivo da sociedade é o fortalecimento do poder nacional e não de um ou de outro determinado grupo de interesse. É por isso que, nesses países, o Estado não se sente constrangido, como aqui, em mobilizar e induzir os agentes econômicos para a conquista do desenvolvimento.

Mas os BRICS não ficaram por aí. Enquanto a Europa e os Estados Unidos imprimiam bilhões de dólares em títulos sem lastro, Rússia, Índia, China, e o Brasil, que a partir de 2003, também adotou essa estratégia, economizavam parcimoniosamente os recursos obtidos com as exportações, liquidavam, praticamente, suas dívidas com o exterior, e aumentavam suas reservas internacionais, a ponto de elas triplicarem, hoje, as do G-7, emprestando, pela primeira vez na história, dinheiro para o FMI e para as grandes nações ocidentais.

Hoje, China e Brasil estão entre os quatro maiores credores dos Estados Unidos, e são seguidos de perto, nesse quesito, pelos russos e pelos indianos.

Se tiverem noção do excepcional momento histórico que estão vivendo, os países do BRIC aproveitarão a crise do Ocidente, para consolidar definitivamente, com a participação da África do Sul, recém admitida no Grupo, uma aliança estratégica global que está predestinada a mudar o panorama geopolítico do mundo no século XXI.

Para isso, no entanto, essas nações deverão aprofundar a sua percepção de que o que mais as une é a sua condição de ex-escravos, que assistem, agora, em uma posição cada vez mais forte, ao crepúsculo de seus antigos senhores.

Senhores que nunca vão jogar limpo, ou se empenhar, verdadeiramente, em fortalecer suas ex-colônias para mudar um equilíbrio de forças que os beneficiou, e muito, nos últimos séculos.

Por essa razão, é incompreensível, por exemplo, que o Brasil continue buscando fechar acordos na área de defesa com o Ocidente, quando poderia estar desenvolvendo, no âmbito do BRICS - no qual Rússia e China possuem uma inegável expertise - e mesmo a Índia e a África do Sul já têm muito a oferecer nessa área - toda uma nova geração de armamentos, capaz de assegurar nossa presença no Atlântico e a defesa efetiva de nossos recursos naturais, incluindo o pré-sal e a biodiversidade amazônica.

Rússia e índia estão desenvolvendo conjuntamente o novo Sukhoi T-50, caça-bombardeio de quinta geração. A índia já compra aviões-radar da Embraer. O novo bombardeio invisível chinês é baseado em tecnologia russa. O Brasil e a China já lançam satélites binacionais de sensoreamento remoto. Já desenvolvemos mísseis ligeiros em cooperação com a África do Sul.

Por que continuar – e isso foi um erro do Governo Lula induzido pelo então Ministro da Defesa, Nelson Jobim - comprando tecnologia obsoleta francesa ou norte-americana – os aviões que nos oferecem têm mais de 20 anos de desenvolvimento – quando podemos entrar direto no futuro desenhando um avião do zero com os nossos sócios do BRICS ?

Além disso – o caso líbio está aí para nos mostrar isso – temos que nos fortalecer ao militarmente ao máximo, como os outros BRIC, e até mesmo alterar a Constituição, se for preciso.

A OTAN e os Estados Unidos acham que podem interferir onde quiser.

Mas nunca fariam com a China, a Índia ou a Rússia o que fizeram com Kadhafi. Uma coisa é atacar um país pequeno e sem armas nucleares. Outra, muito diferente, é atacar três dos maiores países do mundo, que contam com armamento moderno e arsenais atômicos à disposição de suas Forças Armadas.

É preciso convergir não apenas do ponto de vista da aproximação comercial e de defesa com o BRICS, mas também com relação à condução da nossa economia.

O Brasil nunca será de fato um BRIC, se, no lugar de dar atenção aos reais interesses da nação, continuarmos tomando decisões que afetam toda a sociedade com base na opinião de meia dúzia de “analistas” ouvidos todas as semanas pelo Boletim Focus, do Banco Central, empenhados, como raposas no galinheiro, em manter gordas para o mercado financeiro, de onde tiram seu generoso sustento, as saborosas galinhas da SELIC.

O Brasil precisa de menos economistas, que cresceram sob a falsa premissa da existência do “livre” mercado, e de mais estrategistas, prontos para estabelecer um projeto nacional – que nos falta mais do que tudo – para a era do capitalismo de estado do século XXI, na qual os países abandonarão, de vez, a máscara de uma livre concorrência que na verdade nunca existiu, para assumirem aguerridamente suas posições na franca e feroz disputa das grandes nações, pelos mercados e fontes de matérias-primas de todo o mundo.

Para muitos, no entanto, está cada vez mais claro que parte da elite brasileira quer que o Brasil continue no andar de baixo e não participe dessa batalha, ou prefere que o país suba ao ringue de olhos vendados, com correntes nos pés e de mãos amarradas.

Não podem ser vistas de outra maneira as furibundas críticas ao BNDES, por exemplo, quando nosso maior banco de fomento tenta fortalecer grandes empresas brasileiras para que elas não sejam engolidas por suas concorrentes estrangeiras, ou para que movam, compreensivelmente seus peões para ocupar posições no intrincado tabuleiro de xadrez dos mercados internacionais.

Compreende-se que o Financial Times, The Economist ou o Wall Street Journal ataquem a política industrial brasileira, afinal, esse é o papel deles, de amplificar o velho discurso ocidental e anglo-saxão do “façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço”.

Mas é impossível ficar indiferente quando essas posições são radicalmente defendidas dentro do nosso próprio país, quando estamos cansados de saber que sem apoio público e juros subsidiados de seus governos, empresas de países especializados em salgar bacalhau e azeitonas não teriam se assenhoreado – inclusive com financiamento, pasmem, do próprio BNDES - de segmentos estratégicos de nossa economia durante a tragédia da desnacionalização promovida pelo neoliberalismo dos anos 1990.

Quer dizer, o BNDES pode financiar a compra de empresas brasileiras por estrangeiros. Mas na hora de financiar a compra de empresas estrangeiras por brasileiros, a diretoria do Banco tem que ir ao Congresso se explicar.

O mesmo esforço, ou tendência, para manter as nossas empresas relativamente pequenas e impedir a criação de grandes players brasileiros para a disputa dos mercados internacionais pode ser visto também na atuação das agências “reguladoras” e nos órgãos de fiscalização da concorrência.

A quem interessa, por exemplo, que o Brasil não possa contar com uma empresa do porte do que seria a Brasil Foods sem a intervenção do CADE, em um mundo que é amplamente dominado, no mercado de alimentação, por gigantescos grupos europeus e norte-americanos, como a Nestlé, a Pepsico, a Kraft Foods ou a Danone ?

Por que temos que perder o último grande grupo brasileiro no mercado varejista de alimentos, e entregar definitivamente uma área estratégica, do ponto de vista do combate à inflação, para multinacionais estrangeiras?

Por que não ter uma forte posição em um grupo varejista de porte mundial para colocar, finalmente, nossos produtos nas gôndolas de supermercados estrangeiros?

Ou vamos continuar condenados a vender café em grão quando a Alemanha, sem ter sequer um pé plantado, é a maior exportadora de café solúvel do mundo?

Mas o Brasil não está amarrado apenas pela contínua manipulação da opinião pública com histórias da carochinha sobre cavalos com chifres, mulas sem cabeça, livre concorrência e livre mercado, em um planeta no qual a China caminha para se transformar na maior economia do mundo, justamente por nunca ter dado ouvidos a esse tipo de balela.

Em decorrência desse discurso, estamos impedidos de entrar nessa briga de cachorro grande com um mínimo de perspectiva de enfrentá-la, ou em igualdade de condições com os outros BRICS, por outra forte e poderosa algema: a contínua sangria de nossos recursos, da qual já falamos aqui antes, derivada da estúpida insistência em manter as taxas de juros nos mais altos patamares do mundo.

Nos últimos 12 meses, o Brasil seqüestrou dos impostos pagos pela sociedade 210 bilhões de reais para o pagamento de juros, que estão em mais de 12% ao ano, quando os juros de nossos sócios do BRIC, Rússia, Índia e China estão entre os mais baixos do mundo.

De tudo o que foi recebido dos governos anteriores, os juros da taxa SELIC, que estavam em mais de 24% no final do governo FHC, são o componente mais letal e corrosivo. Eles representam a pílula de veneno dentro do copo de vinagre. Um vírus dentro do sistema operacional nacional. Um câncer que drena a energia e os recursos da sociedade brasileira. Uma auto-imposta e masoquista desvantagem que nos impede de crescer como poderíamos, em um momento no qual sócios do BRIC como a China, que estão livres dessa amarra, estão cada vez mais fortes.

Se quiser, o Governo Dilma Roussef, se não houver outras razões, já tem como garantir o seu lugar na história, libertando nossa gente da escravidão dos juros, que seqüestra boa parte da renda de milhões de famílias brasileiras, e fazendo com que essas centenas de bilhões de reais que desaparecerem pelo ralo todos os anos se transformem em mais consumo, em mais empregos, em mais produtos.

O Brasil não pode continuar a ser refém do “mercado” e dos prepostos que com ele colaboram, em jornais e emissoras de televisão, no permanente logro e manipulação da opinião pública.

Não se pode falar em desoneração da Folha de Salários, quando o maior ônus que as empresas enfrentam, e o maior componente do Custo Brasil está justamente nos juros que transferem boa parte dos ganhos obtidos pelo setor produtivo para o mercado financeiro.

Poderíamos começar revertendo as expectativas, tão falsas como incorretas, do “mercado”, deixando, simplesmente, de emitir o Boletim Focus do Banco Central. O “mercado” precisa saber o que a autoridade monetária está decidindo e não o contrário.

Mesmo com cortes automáticos mensais de 0,5% na taxa de juros da taxa SELIC, ainda assim levaríamos 20 meses para chegar a um patamar civilizado de juros ao final do atual governo. Um tempo precioso na corrida que disputamos com as grandes nações. E ninguém poderia ser acusado de ser imprevisível ou de não dar tempo às instituições financeiras para se adaptarem.

Essa é a vez dos BRICS. O Brasil pode crescer junto com eles, e com eles mudar o planeta no Século XXI.

Ou continuar vivendo no anacrônico mundo de faz-de-conta que nos foi impingido, do ponto de vista econômico, pela Europa e os Estados Unidos no Século XX, perdendo, mais uma vez, o bonde da história.

Este texto foi publicado também nos seguintes sites:

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O GOVERNO E A POLÍTICA

Para entender as dificuldades da Presidente Dilma Roussef, em seus esforços para o combate à corrupção no poder executivo (já que a Constituição veda a sua atuação nos outros dois poderes do Estado) é preciso recuar um pouco no tempo, a fim de entender o cipoal da administração no serviço público brasileiro.

Quando o Presidente Getúlio Vargas criou, em 1938, o Dasp – Departamento Administrativo do Serviço Público – e instituiu o concurso para a admissão de servidores públicos, ele deu o passo mais importante para a criação de um verdadeiro estado nacional. Mesmo que ele tenha reservado alguns cargos para provimento arbitrário do chefe de governo, como os de tesoureiros e fiscais do imposto de consumo, a providência representava poderoso golpe contra as oligarquias políticas, que faziam do governo uma reserva de empregos e sinecuras, destinadas à perpetuação da sua própria espécie, de condôminos da república, e exploradores dos trabalhadores rurais e urbanos.

O governo Dutra, que se seguiu à queda do Estado Novo, começou a abrir brechas na legislação de Vargas. Ao estabelecer um pacto político dito de união nacional, e assegurar a aprovação de uma constituição que não fosse mais democrática do que convinha aos verdadeiros senhores do poder, o governo federal passou a nomear “interinos” e a postergar muitos dos concursos públicos. Vargas, ao reassumir o governo, em janeiro de 1951, foi obrigado a ceder um pouco e não retornar às duras exigências de seu tempo de governo excepcional. Enfrentou a poderosa coalizão de adversários, que unia as velhas forças conservadoras - opostas à sua política social - aos novos empresários, apaixonados pelos Estados Unidos e contrários ao seu projeto de desenvolvimento econômico autônomo. Sua prioridade foi outra: a de resistir, o quanto pôde, aos golpistas que o levariam ao suicídio em agosto de 1954. Foi obrigado a abandonar o projeto de criar uma burocracia profissional, nos moldes da francesa e da alemã, que vinha desde Bismarck - preservada durante a República de Weimar e abandonada com o nazismo. Por isso, em dezembro de 1944 – dez meses antes de ser deposto – Getúlio Vargas deu novo passo importante ao seu projeto, com a criação da Fundação que recebeu seu nome, com o objetivo de criar quadros superiores para a administração do Estado. Somente um ano depois, ao assumir o governo, logo após a guerra, De Gaulle criaria, na França, a famosa ENA, École Nationale d’Administration, que, até hoje, só forma cem alunos por ano, destinados aos cargos mais elevados do poder executivo. Getúlio e De Gaulle tinham a mesma preocupação: a de criar uma burocracia competente e democratizar realmente o acesso à alta administração do Estado, retirando das oligarquias, que controlam os partidos, o poder de sobrepor-se ao executivo, mediante a nomeação dos servidores para os cargos de confiança. Na França, o presidente e os ministros só podem nomear um grupo reduzido de pessoas para a composição do gabinete pessoal. O mesmo ocorre nos Estados Unidos.

Hoje, como sabemos, a Fundação Getúlio Vargas, alterada pelas circunstâncias políticas, forma mais quadros para as atividades privadas do que para o serviço público. Pensando nisso, logo no início do governo Sarney – e de acordo com uma idéia de Tancredo, admirador das instituições francesas – o ministro da Administração, Aluísio Alves, decidiu criar uma Escola Nacional de Administração, que ainda existe em Brasília, mas distanciada da idéia original, baseada na ENA francesa. A ENA recruta seus alunos entre os melhores dos colégios públicos da França.

Embora tenhamos quadros técnicos de comprovada competência, treinados por escolas especializadas, como as da Fazenda e da Polícia Federal, os cargos em comissão predominam. A presidente Dilma Roussef é conhecida pela sua preferência pelos quadros técnicos. Sabe-se que uma das razões que a levaram a deixar o Ministério de Minas e Energia e ocupar a Chefia da Casa Civil foi a de que ela resistiu bravamente à nomeação de pessoas indicadas pelas conveniências políticas a fim de ocupar a direção das empresas de energia ainda controladas pelo Estado.

Eliminar a terceirização das responsabilidades do Estado, proibir o repasse de dinheiro às ongs – a não ser as de comprovada e antiga probidade, como a Cruz Vermelha – é tão importante quanto a reforma política. A raiz do problema, como já se tornou lugar comum nesta coluna, está na separação objetiva entre os Três Poderes da República, o que é inerente aos sistemas presidencialistas.

Os presidentes da República, desde a redemocratização de 1985, têm sido reféns dos partidos que os apóiam, com a única e singular exceção de Itamar. O sucessor de Collor, dentro das circunstâncias peculiares de seu mandato, conseguiu governar - como bem lembrou Pedro Simon, na homenagem que o Senado prestou ao homem público de Minas - sem gastar um centavo com propaganda, e sem aceitar o mínimo desvio ético de seus ministros.

Dentro do jogo complexo da política, ele seria, no exercício da oposição, forte esteio para a estabilidade do governo Dilma, ao participar do combate tenaz aos atos de corrupção. Ele teria a autoridade que falta a outros opositores, que ousam convocar a opinião pública contra o governo, e que seriam os primeiros a serem banidos da vida pública, no caso de completo saneamento moral da política. Fazem lembrar o expediente dos punguistas que gritam “pega ladrão”, enquanto fogem com a carteira da vítima. Felizmente – e conforme registramos ontem, neste mesmo espaço – fortalece-se, no Congresso, a percepção de que a política terá que resolver, sim, o problema da corrupção no Estado. Dessa percepção participam também membros da oposição, conscientes da gravidade do momento nacional e mundial. Não é comum que as sociedades suicidem-se. Em alguns casos, elas morrem lentamente, de caquexia – como parece ser agora o destino dos Estados Unidos, se o seu povo não se unir pelas grandes causas, como se uniu tantas vezes na História. Sendo assim, é certo que um grupo numeroso de parlamentares honrados se una ao povo, a fim de apoiar a chefe de governo em seu propósito de dar rumos éticos ao Estado.

Essa idéia de apoio firme a Dilma, além dos seguidores nas duas Casas do Congresso começa a crescer em algumas assembléias legislativas dos Estados. As horas estão batendo nos calcanhares dos políticos, empurrados pelo sentimento de urgência. Alguns deles, portadores antigos dessa convicção ética, estão sendo ouvidos com maior atenção, como é o caso dos senadores Christovam Buarque e Pedro Simon.

O CONGRESSO EM MOVIMENTO

Apesar do ceticismo, natural nesse trecho histórico, minguado de decisões, há, no Congresso Nacional o frisson das grandes vésperas. Começa a crescer a consciência de que a paciência dos cidadãos atinge seu limite. E os parlamentares honrados procuram organizar uma frente no Congresso para assegurar o apoio necessário à Presidente Dilma Roussef a fim de que ela possa prosseguir no combate aos desvios do dinheiro público.

Não é só a imprensa, nem a poderosa malha da internet, que transmite ao Parlamento o mal-estar da população. Em visitas aos redutos eleitorais, percebem a maré montante, que pode transformar-se em tsunamis. Mesmo que não se ouçam os resmungos de protesto, os olhares não deixam dúvida: o clima não é de primavera.

Quanto aos demais, os que, sim, dispõem de biografia honrada, esses se horrorizam ao descobrir o desprestígio dos políticos em geral e dos parlamentares em particular. A ojeriza comum aos políticos se tornou, nos últimos tempos, muito mais grave. Antes, os corruptos se contavam nos dedos, e eram conhecidos. Hoje, os que se contam nos dedos são os homens públicos respeitáveis. O Parlamento, que não reflete exatamente a nação, como se costuma dizer - mas um sistema eleitoral de chocha legitimidade – é, assim, o espaço em que podemos cumprimentar um parlamentar respeitável e, dois metros adiante, esbarrar em alguém de caráter duvidoso. Nestas horas, poucos são os que assumem – e se lhes registre a coragem – o discurso sinuoso, que tenta tornar legal o que é espúrio, e reduzir denúncias sérias a manifestações menores de calúnia e intriga.

O que se sente é o temor que se adensa. Diante do que ocorre hoje em outros países, com o explodir do inconformismo em atos de violência, alguns tentam esconjurar o medo, com o lugar comum de que “brasileiro não é assim”, “o povo já está acostumado”, “isso é fogo de palha”. E há, realmente, os alienados, de escamas nos olhos, cera nos ouvidos e neurônios raquíticos, sobretudo os que não conhecem a história. Não sabem que o Brasil foi construído com rebeliões populares sucessivas, e se todas foram vencidas ou engambeladas pela esperteza das oligarquias, o país sempre foi melhor depois, ainda que tenha pago o tributo de sangue, no fuzilamento de bravos patriotas, como ocorreu na repressão brutal aos revolucionários de 1824, no Nordeste.

A corrupção só medra e se espalha, como as carrapicheiras, porque as instituições foram construídas e reformadas a fim de lhe dar abrigo. Se, no passado, as empreitadas para obras de infraestrutura permitiam e estimulavam a corrupção, hoje a grande oportunidade está na terceirização de serviços, sobretudo mediante as chamadas organizações não governamentais. O ideal dos formuladores do Consenso de Washington, a serviço do grande capital financeiro, é o de reduzir o Estado a mero coletor de impostos e distribuidor de recursos aos prestadores de serviços, grandes corporações ou organizações fantasmas, como as criadas por alguns políticos, a fim de complementar sua remuneração.

Com a consciência de que é necessário extirpar a corrupção pelas raízes, cresce o apoio à Presidente Dilma Roussef, a fim de que ela prossiga no saneamento do governo. Personalidades respeitáveis do país fazem chegar ao Planalto as mensagens de apoio à Chefe de Estado. Os dirigentes da CNBB – o Cardeal Raymundo Damasceno, D. José Belisário e D. Leonardo Ulrich - estiveram em seu gabinete e, em nota oficial, deixaram claro que:

“Os princípios éticos da verdade e da justiça exigem exemplar apuração dos fatos, com a conseqüente punição dos culpados, porque não se pode transigir diante da malversação do emprego do dinheiro público. Sacrificar os bens devidos a todos é um crime que clama aos céus por lesar, sobretudo, os pobres”.

A ordem mundial de domínio se descuidou, com o surgimento da rede mundial de computadores, e a possibilidade da conversação, sem limites, dos cidadãos. Em 1932, quando o rádio começava a se tornar universal, Brecht elaborou a sua “Radiotheorie”. Ele se referia à comunicação radiofônica, mas antecipava o que seria a internet, para a imposição de uma nova ordem libertária no mundo. De qualquer forma, rádio e internet são duas expressões de um mesmo meio, o da comunicação eletrônica. Disse o grande pensador:

“A radiodifusão há de ser transformada de sistema de distribuição em um sistema de comunicação. A radiodifusão poderia ser o mais gigantesco meio de comunicação imaginável na vida pública, um imenso sistema de canalização. Isto é, seria, se não só fosse capaz de emitir, mas também de receber, se conseguisse que o ouvinte não só ouvisse, como também falasse, que não ficasse isolado, mas relacionado”.

E o autor de “Mãe Coragem” termina seu raciocínio com a esperança de nossos dias, ao dizer que isso era irrealizável então – há 80 anos – mas que ocorreria em decorrência do natural desenvolvimento técnico, e se tornaria o instrumento para a propagação e formação de uma outra ordem social para o mundo. E é o que está ocorrendo.

O sentimento é o de que estamos em grandes vésperas, aqui e no mundo.

GOVERNAR É RESISITIR

Se os suspeitos de desvio de recursos públicos do Ministério do Turismo são criminosos, ou não, cabe à Justiça decidir. Se o uso de algemas foi exagerado, ou não, os policiais envolvidos na operação podem esclarecer. Podemos, no entanto, e mesmo sem pesquisas de opinião, presumir: em sua maioria, as pessoas se sentem aliviadas quando vêem gente bem vestida e de posição social reconhecida, sendo tratada como normalmente se tratam os pobres. Se a lei é igual para todos, todos devem ser tratados da mesma maneira: suspeitos ricos e miseráveis, tenham assaltado com a mão armada ou com a caneta que libera recursos para sócios ocultos.

Há sinais de pressões contra a Chefe de governo e de Estado, a fim de que se esfriem as medidas saneadoras que ela vem tomando, a partir do grande escândalo do Ministério dos Transportes. Há articulações, no Congresso, que visam a emparedar o governo, a fim de que se interrompa a ação da Polícia Federal. Ora, a Polícia Federal atuou, nesse caso e em casos semelhantes, conforme a determinação da Justiça. E a Justiça, nesses casos, só se pronuncia quando provocada, seja pelos órgãos do Poder Executivo, seja pelo Ministério Público. Há que se registrar, também, que, mesmo com as falhas e desvios de seus integrantes – que ela mesma investiga e toma as medidas necessárias – a Polícia Federal, nesses nossos tempos de poder civil, é vista com respeito e admiração pelos brasileiros. Enfim, conforme constatava Tancredo, governar é resistir às pressões.

Muitos parlamentares – entre eles líderes partidários – atuam como se estivessem fora do mundo. Não analisam os casos patentes de corrupção, nem as suspeitas muito bem fundadas. É difícil aceitar que sejam treinados (e à distância) quase dois mil “agentes de turismo” para atuar em Macapá, cidade de 400.000 habitantes e escassas atrações turísticas – e sem ligação rodoviária com o resto do país. Não parece sério. Os cidadãos começam a perceber que os tributos produzidos pelo seu trabalho se destinam, em grande parte, a custear serviços desnecessários, quando não são desviados para enriquecer empresários e servidores públicos desonestos. Fala-se muito em reforma política, mas o Estado deve estar sempre em aprimoramento, com a eliminação de contratos de terceirização de serviços com organizações privadas, como as abomináveis Ongs que surgem para tudo e para nada. Os deputados não entendem que representam a nação e o seu primeiro dever é o de se contrapor ao poder executivo, principalmente no que se refere ao orçamento. Em lugar de exigir a boa distribuição dos recursos, de forma a atender ao bem-estar da população e aos investimentos que tragam resultados econômicos gerais, eles se empenham em obter, mediante as famosas emendas orçamentárias, verbas que beneficiem seus redutos eleitorais. Como a experiência demonstra, muitas vezes tais recursos terminam em contas pessoais.

Mais grave, no caso brasileiro – e disso já tratamos muitas vezes neste espaço – é a promiscuidade entre o Parlamento e o Poder Executivo, que deviam ser bem separados, como é da boa norma nas repúblicas presidencialistas. Nenhum deputado ou senador poderia exercer um cargo executivo, a menos que renunciasse definitivamente ao mandato – como ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos.

Os líderes políticos brasileiros não percebem que a grande crise dos estados contemporâneos é decorrente de uma globalização da economia imposta aos paises periféricos pelos centros financeiros internacionais, e que as suas consequências podem atingir-nos, como nos ocorreu no passado, se não construirmos a coesão interna, em torno de atos decisivos contra esses especuladores, dentro de um projeto estratégico e autônomo de desenvolvimento. A população só estará unida ao Estado, para enfrentar a tormenta internacional que se prevê, se confiar plenamente em suas instituições, que, ao livrar-se dos corruptores e peculatários, recuperarão a confiança nacional.

A Europa e os congressistas norte-americanos estão interessados em salvar o capitalismo neoliberal e voltam ao receituário do Consenso de Washington. A Grécia está sendo forçada pelo Banco Central Europeu a privatizar tudo – e até mesmo a vender algumas de suas ilhas. Na Itália, o ministro das Finanças de Berlusconi anuncia a privatização do que sobrou do patrimônio público.

Um bem humorado blogueiro francês, Henry Moreigne, registrou ontem que os povos procuram por homens políticos “desesperadamente”. Ao analisar a crise econômica européia, ele conclui que os governos salvaram os banqueiros com dinheiro público e agora culpam os povos pela bancarrota. “Transferiram para o déficit público as dívidas privadas” – ele resume. E termina: “quando se quer matar um cão, dizem que ele está com raiva. Quando querem matar os estados, dizem que eles estão endividados”.

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http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2011/08/12/governar-e-resistir/

http://www.politica-venezuela.com/articulo/13936/BRASIL-Governar-e-resistir

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http://www.entornointeligente.com/articulo/1153658/BRASIL-Governar-e-resistir

http://www.desenvolvimentistas.com.br/blog/blog/2011/08/18/governar-e-resistir-por-mauro-santayana/

http://joserosafilho.wordpress.com/2011/08/14/o-cao-e-o-estado/

http://cn2012.wordpress.com/2011/08/13/santayana-a-acao-da-policia-federal/

http://easonfn.wordpress.com/2011/08/13/coisas-da-politica/

http://www.ailtonmedeiros.com.br/pega-ladrao-10/2011/08/13/


A HORA DA ECONOMIA REAL

A crise no Ocidente, com suas conseqüências para a bolsa no Brasil, não se origina apenas do fato – lição que deveria ser aprendida de uma vez por todas pelos brasileiros que adoram se abaixar para a Europa e os Estados Unidos - de que os países ditos “desenvolvidos” não são, na verdade, tão avançados assim.

Ou da constatação, derivada do mais comezinho bom senso, de que não é possível que os Estados Unidos continuem financiando ininterruptamente suas guerras, ao custo de 35 bilhões de dólares por semana apenas no front do Afeganistão e do Iraque, sem conseqüências para sua economia.

Também desafia a razão e a justiça, que um quarto da população mundial usufruísse, durante décadas, de padrões de vida e de consumo absurdamente altos com relação ao restante da humanidade, sem dispor, para isso, dos recursos naturais necessários.

Assim como ofendia a ordem natural das coisas, que países como Portugal e a Espanha, miseráveis e agrários até os anos 1970, aqui aparecessem, menos de 20 anos depois, e comprassem – com a prestimosa colaboração de entreguistas locais – setores inteiros de nossa economia. E que executivos de países reconhecidos pelo seu óleo de oliva, bacalhau, sardinha, vinho e azeitona, de repente viessem pavonear no Brasil sua “excelência” em finanças, energia ou telecomunicações.

Quando não foi o próprio BNDES que financiou a entrega de nossas empresas – como aconteceu com a Eletropaulo no governo FHC - o dinheiro que chegou de fora nos anos noventa teve origem, como estamos constatando agora, em economias irrigadas a fundo perdido com recursos da Comunidade Européia e por uma verdadeira indústria de títulos soberanos.

Essas sucessivas gerações de papagaios, emitidas a juros artificialmente baixos, terão que ser resgatadas agora, a não ser que a fantasia continue, com a contínua emissão de “moeda” e a compra ad infinitum de títulos espanhóis, portugueses, italianos, gregos e irlandeses pelo Banco Central Europeu.

A verdade é que, qualquer que seja a saída para a crise, a credibilidade da Europa e dos Estados Unidos se esvaiu.

Depois de um longo verão que durou muitas décadas, as cigarras não conseguirão mais enganar as formigas, com o seu incessante canto sobre a superioridade da civilização branca e ocidental.

Enquanto a Europa – os espanhóis, por exemplo, acreditaram durante anos na ficção aznariana, depois herdada por Zapatero, de que eram a oitava economia do mundo e que iriam entrar pro G-8 – dormia sobre a reconquista neoliberal dos anos noventa, sem perceber que o euro era, literalmente, um tigre de papel, o Brasil, a Rússia, a Índia e a China, estabeleciam, pacientemente, nos últimos dez anos, um novo mundo, obrigando o G-7 a aceitar a criação e a sua substituição, de fato, pelo G-20, e fundando o BRIC.

Investindo na economia real, resgatando milhões de pessoas da miséria, apostando em seus mercados internos e economizando parcimoniosamente seus recursos, o BRIC tem, hoje, três vezes mais reservas internacionais que o G-7, e controla 70% dos títulos norte-americanos em poder de países estrangeiros.

Graças à mudança, adotada a partir do Governo Lula, na orientação das relações com o antigo Primeiro Mundo, privilegiando uma posição mais digna e soberana, o Brasil não deve, hoje, um tostão ao Clube de Paris ou ao Fundo Monetário Internacional, é um dos principais países no “board” do FMI, do qual é credor em mais de 15 bilhões de dólares, e o quarto maior credor externo dos Estados Unidos e – para usar um meio de avaliação tipicamente capitalista - tem um risco-país menor que o norte-americano.

Empresas indianas e chinesas – poderíamos estar fazendo o mesmo, ou em maior proporção, se o altruísmo dos nossos defensores do “livre mercado” deixasse o BNDES trabalhar em paz – estão comprando companhias norte-americanas e européias em grande quantidade, depois de assegurar a maior fatia de seus mercados internos e fontes de matéria-prima como fatores estratégicos para a sua sobrevivência futura.

Afinal, para um cidadão de classe média de Xanghai ou Nova Delhi, é inconcebível ter seu mercado de telecomunicações controlado por espanhóis ou portugueses ou viver sem uma marca nacional de automóveis.

Para o brasileiro médio, ao contrário, isso é natural. Talvez por isso, nossos carros do mesmo modelo e da mesma marca sejam mais caros aqui do que em outros países, ou estejamos pagando as tarifas mais altas do mundo de internet e telefonia celular.

Acho que o melhor caminho para o Brasil nesse momento seria transformar a crise em uma oportunidade para aprofundar ainda mais o seu distanciamento do capitalismo imprevidente e estéril que criou a grande ilusão européia dos últimos anos e trabalhar, cada vez mais, dentro da economia real.

Precisamos investir cada vez mais na produção e cada vez menos na especulação financeira. Cada vez mais no mercado interno, via melhoria da renda, e aumento no número de empregos, e menos nos mercados externos. E, no exterior, precisamos investir cada vez mais nas relações sul-sul e com o BRIC, exigindo relações de troca mais justas de nossos grandes parceiros como a China.

Investir na economia real, no Brasil, implica em nos livrarmos dos fantasmas que, uivando e arrastando correntes, impedem o avanço do Brasil.

Nesse aspecto, o Banco Central poderia começar fazendo um grande favor à sociedade brasileira, suspendendo indefinidamente a publicação do Boletim Focus já a partir da próxima edição.

Com isso, o Brasil se livraria de um particular Oráculo de Hades, cujos “analistas”, representativos do “mercado” além de não acertar um prognóstico nos últimos anos, tem se dedicado permanentemente a sabotar o crescimento econômico quando não a justificar, e mais, incentivar, a manutenção dos juros da SELIC como os mais altos do mundo.

Outra medida que o Governo poderia tomar agora - é claro que o “mercado” não deixaria isso acontecer - seria estabelecer um piso para a queda do BOVESPA e investir parte das reservas internacionais na compra de ações de empresas nacionais estratégicas, cotadas na Bolsa de São Paulo.

Com isso, poderia se evitar o derretimento da BOVESPA, trazendo de volta os investidores, ao mesmo tempo em que se aumentaria - mesmo que para venda futura com razoável ganho - a participação acionária do governo em companhias do porte da VALE, da BRASKEM e da Petrobras.

A terceira providência, a ser tomada por nós, ou em conjunto com a China e a Índia – eventualmente depois da intervenção positiva do governo na Bovespa - seria fazer uma ampla campanha internacional de oportunidade, neste momento de quebra de paradigmas e de crepúsculo dos deuses e em que a crise atinge tão duramente o Ocidente, chamando os investidores estrangeiros a apostar no BRIC.

Finalmente, com relação ao caso brasileiro, nunca é demais lembrar que, em uma crise, a grande vantagem de se trabalhar com commodities é que o mercado global não pode viver sem elas.

Enquanto a capacidade de consumo de sua população de mais de um terço da Humanidade continuar crescendo - mesmo que haja momentânea diminuição da demanda externa por seus produtos e serviços - China e Índia continuarão a comprar nossos produtos. E o resto do mundo também.

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A REPÚBLICA SE CONSOLIDA

O Ministro Nelson Jobim, respeitemos os fatos, é um político singular na história recente do país. Ele surge no cenário nacional em 1987, ao eleger-se para a Câmara dos Deputados. Rapidamente, impressionou seus pares pelo desembaraço. Sua vida acadêmica é rica: professor-adjunto de Direito da Universidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em que se formou, nela também obteve o mestrado em Filosofia Analítica e Lógica Matemática. Não obstante esses títulos, Jobim é intelectualmente discreto: nunca demonstra todo o seu saber nos pronunciamentos políticos ou em seus escritos. A vaidade ele a guarda para a prática cotidiana da política. É um homem que, em todos os atos, parece dizer que nasceu para mandar. Mas, pelo que vemos, não entende que o poder depende da legitimidade. Em seu caso, a legitimidade é conferida pela confiança da Presidente. Quando falta legitimidade a qualquer poder, ele é tão sólido quanto uma nuvem de verão.

No duelo de grandeza entre ele e Fernando Henrique, registre-se a verdade, o sociólogo levou vantagem sobre o filósofo e jurista. Matreiramente, como sempre foi, o então presidente valeu-se da intemperança de Jobim, sem que esse percebesse. Fez como se seguisse a orientação do gaúcho, dando-lhe corda, enquanto o conduzia pelos cordéis da lisonja. Jobim tem uma relação quase pavloviana com a real ou falsa admiração alheia. Nesses momentos, ele consegue inflar a alma por dentro do corpo.

Em uma visita que lhe fez, quando ocupava o Ministério da Justiça, o saudoso jornalista Márcio Moreira Alves anotou que o Ministro demonstrava sua cultura, ao ter, sobre a mesa, o conhecido compêndio de ensaios políticos de John Jay, James Madison e Alexander Hamilton, The Federalist. Os três grandes pensadores e políticos norte-americanos, mais do que discutir os fundamentos constitucionais da jovem república, redigiram uma espécie de manual republicano, a partir do pensamento clássico e dos filósofos ingleses do século 17. É, na certa, um bom estudo, principalmente para o uso daqueles que se sentem desestimulados a visitar o pensamento original e mais complexo dos clássicos, de Aristóteles a Locke, de Santo Tomás a Montesquieu, que inspiraram os políticos norte-americanos. Marcito, que se encontrava em fase serena de sua carreira, tratou Jobim com tal bonomia que os maliciosos poderiam ter considerado irônica.

Jobim é vaidoso, embora, pelo que se sabe, não se mete em negócios estranhos. Tal como Romero Jucá, porém, sua adesão ao governo independe de quem o chefie ou do partido que nele exerça hegemonia. É o terceiro período presidencial em que se destaca, nos poderes republicanos, como parlamentar, ministro, juiz e presidente do STF.

Em nenhum cargo Jobim se sentiu tão ele mesmo como no Ministério da Defesa. Seu entusiasmo foi o do escoteiro ao ser admitido no grupo. Tanto assim, que não titubeou: em poucas horas já envergava o uniforme de campanha dos oficiais superiores do Exército. Jobim é assim construído: tem o seu lado lúdico, e algum psicanalista de botequim poderia concluir que ele brinca sempre.

Mandar é com ele mesmo. Lula, que tem outro tipo de astúcia, bem diferente da que esgrime Fernando Henrique, também manobrou bem com Jobim. É certo que Lula não ficou muito à vontade quando Jobim, ao substituir um dos homens mais dignos de nossa história política, o baiano Valdir Pires, cometeu a grosseria de insinuar que seu antecessor não ocupara o cargo com a autoridade que lhe competia. A diferença é que Valdir administrava um ministério de militares em tempo de paz, enquanto Jobim parecia sonhar com o desempenho de Rommel e de Patton nos desertos africanos, e de Eisenhower e Zhukov, no desembarque na Normandia e no avanço sobre a Alemanha. Os chefes militares logo descobriram que Jobim estava encantado em brincar de marechal, e com ele se ajeitaram. Enfim, como Jobim fingia que mandava, eles, mais experientes, fingiam que obedeciam.

Ele se encontrava pouco à vontade, quando despachava com a presidente. Convenhamos que não é cômodo para Jobim submeter-se ao mando de uma mulher. Talvez mais para justificar-se diante de seus amigos paulistas do que para expressar um sentimento real, disse o que disse na festa dos oitenta anos de Fernando Henrique, a propósito dos “idiotas” do governo, com os quais era forçado a conviver hoje, bem diferentes dos “geniais” ministros do excelso intelectual. As suas declarações à Revista Piauí – que ele, sem muito jeito, tentou desmentir - ajustam-se à sua personalidade. A mais grave delas se refere ao episódio da nomeação de José Genoíno como seu assessor, quando afirma que, diante da hesitação da presidente sobre a capacidade do ex-guerrilheiro para o cargo, cortou logo a dúvida: quem sabia se Genoíno desempenharia bem a sua função era ele, Jobim, e não ela, Dilma. Se o diálogo realmente houve, ele não só contrariou as normas do poder, mas, ainda mais, violou as regras do cavalheirismo.

Por mais Dilma Roussef tenha recebido o apoio de Lula, ao assumir o cargo ela se tornou a chefe de Estado do Brasil, com todas as responsabilidades e prerrogativas do cargo, legitimada pela vontade da nação. Ela só tem que obedecer aos interesses nacionais, e cumprir a Constituição e as leis, de acordo com a sua própria consciência. E os que se sentirem incomodados com sua liderança, se assim lhes parecer melhor, podem deixar o governo. O Brasil tem centenas de milhares de cidadãs e cidadãos, patriotas e de probidade, capazes de exercer bem o múnus republicano – mesmo que não conheçam os endereços de Brasília.

Foi assim que se desfez a pequena crise: Jobim se demitiu no início da noite e um grande e sensato brasileiro, Celso Amorim, já foi nomeado para substituí-lo. O Brasil se consolida como República.

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A DESONERAÇÃO E OS TRABALHADORES

A passeata convocada para São Paulo, , por algumas das principais entidades sindicais do país, e o propósito, anunciado pelo governo, de desonerar a folha de pagamento de alguns setores industriais não nos remetem a Marx e a seus discípulos, mas nos fazem retornar a Platão. No mais político de seus Diálogos, o deGórgias, ele reconstitui — ou cria — discussão entre Sócrates, Górgias, Querefonte, Polo e Calicles. Sócrates vence, e convence, ao afirmar que a melhor forma de viver é a de praticar a justiça, além de todas as outras virtudes, e arrasa seu oponente, ao completar que de nada vale a argumentação de Calicles de que o Estado existe, e deve existir, em favor dos poderosos — e contra os débeis.

O jovem e rico contendor do filósofo chega a citar Píndaro, em seu verso conhecido, segundo o qual a força faz o direito. A isso se opõe Sócrates, reclamando o papel do Estado como garantidor da justiça, mediante as leis. Enfim, o Estado só é legítimo quando protege os débeis.

É interessante a posição de certos empresários, ao reclamar contra os direitos trabalhistas. Quando a economia vai mal, eles se queixam, e argumentam que a flexibilização das leis do trabalho favorece o aumento do nível de emprego; quando a economia vai bem, o que ocorre agora, alegam que não conseguem competir com a importação de bens industriais, a não ser com o sacrifício dos trabalhadores.

Ora, para alguns patrões, nada melhor do que uma sociedade econômica sem salários, e é o que buscam, na automação, a cada dia maior, dos processos industriais. Ainda agora, uma empresa de Taiwan anuncia a produção de 1 milhão de robôs para a indústria da China. Bem argumentam os que consideram a sociedade industrial contemporânea a mais injusta de quantas houve na História.

Como não pode haver produção sem consumo, nem consumo sem salários, o aumento da desigualdade leva a crises econômicas profundas, como mostram os exemplos de 1929 aos nossos dias.

As medidas anunciadas ontem pelo governo em seu conjunto são necessárias. A preferência pela compra de produtos e serviços nacionais pelo Estado é boa providência, e melhor seria se, como produtos nacionais, só fossem considerados os procedentes de firmas realmente brasileiras, e não dentro da latitude imposta pelas emendas constitucionais do governo neoliberal de Fernando Henrique.

Hoje, qualquer empresa, de capital externo, constituída no Brasil, ou adquirida de brasileiros, é considerada nacional. É um bom começo, embora parcela importante do que economizarmos com a redução das importações venha a ser consumida na remessa de lucros ao exterior pelas multinacionais. Esse primeiro passo, ao que parece, será seguido de outros. Conforme disse Mantega, é preciso proteger os produtores brasileiros contra os aventureiros que vêm de fora.

Apesar de tudo isso, os reais produtores, que são os que trabalham no pátio das fábricas, buscam, como é de seu direito, e de justiça, negociar com ganho real os acordos anuais de salários. Lutam também pela redução da jornada de trabalho, pelo fim do fator previdenciário, e pela regulamentação da terceirização, esse instrumento impiedoso de compra e venda da força e inteligência do trabalho — com lucros espantosos. Daí, a passeata anunciada para hoje em São Paulo.

O mundo vive momento novo, dentro da velha injustiça que, pelo que vemos, já era objeto das especulações de Platão. Como a injustiça é o resultado da insensatez, os congressistas norte-americanos não foram assistidos da razão, ao debitar aos pobres a espantosa dívida do país. Não foram os pobres que gastaram as centenas de bilhões de dólares nas aventuras militares do Oriente Médio, que se somam às cifras inimagináveis consumidas em outras expedições de saqueio pelo mundo afora.

E por falar em aventuras militares, convém ler com atenção o artigo do almirante Mário César Flores, ontem publicado em O Estado de S. Paulo sobre a pouca percepção que os brasileiros têm da importância e necessidade de forças apropriadas para a defesa da soberania nacional. As Forças Armadas devem ser suficientemente poderosas a fim de dissuadir eventuais agressores à nossa soberania geográfica e política.

Não asseguramos saúde de qualidade, e não cuidamos bem dos homens aos quais incumbe a defesa do país

Não temos cuidado de erguer e solidificar os pilares de nossa liberdade e segurança no mundo. A educação elementar é desdenhada. Proliferam, graças ao liberalismo oficial, universidades privadas sem qualidade autorizadas a explorar o sonho dos pobres. Não conseguimos assegurar saúde pública universal de qualidade, e não cuidamos bem dos homens aos quais incumbe a defesa do país.

E uma boa notícia. Ao assegurar a liberdade de trabalho para os músicos, contra a filiação compulsória à Ordem dos Músicos do Brasil, o STF dá mais um passo contra a praga do corporativismo, em favor da plena liberdade de trabalho e de expressão cultural dos cidadãos, conforme os princípios basilares da democracia republicana.

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