quinta-feira, 15 de setembro de 2011

A CORRUPÇÃO E A AUTONOMIA DO DF

É provável que a marcha contra a corrupção, realizada em Brasília, venha a evoluir para dar estrutura popular ao movimento pelo fim da autonomia do Distrito Federal, que se limita hoje a personalidades do mundo jurídico e intelectual da cidade. Embora a corrupção seja fenômeno universal, e não se trate de pecado singular de Brasília, na cidade ela é associada à esdrúxula autonomia política concedida ao Distrito Federal pela Constituição de 1988.

O movimento pela redemocratização previa a “representação política de Brasília”, isto é, uma bancada parlamentar que representasse seus cidadãos na Câmara e no Senado, como ocorria antes da transferência da capital. Os constituintes de 1988, no entanto, por pressão de eminentes personalidades políticas, como foram Ulysses Guimarães e José Aparecido de Oliveira, decidiram, contra o bom senso, ir além e converter, na prática, a sede de uma República Federativa em novo e privilegiado estado da União. Privilegiado, porque as suas despesas maiores são pagas pelo povo de todo o Brasil, via orçamento federal.

Entre outros problemas disso derivados, os servidores públicos do Distrito Federal são muito mais bem pagos do que os dos Estados, o que provoca as naturais reivindicações de equiparação, como ocorre agora, no caso dos bombeiros e policiais militares.

É provável que a Câmara Distrital – que não devia ser mais do que uma câmara de vereadores – não seja a mais corrompida do Brasil, mas se não for, não está tão distante disso. Excluídas algumas personalidades conhecidas pela sua honra – e se destaque, pela conduta com que governou Brasília, exerceu o Ministério da Educação e se comporta no Senado, o professor Christovam Buarque – o mundo político do Distrito Federal é, em grande parte, lamentável. Não se sabe se é de se deplorar mais a ignorância do que seja política, ou a voracidade na extorsão. Como entre os acusados de corrupção durante o governo Arruda se encontra conhecida deputada federal, que foi “absolvida” pelos seus pares, não obstante provas gravadas e divulgadas em todo o Brasil, a relação entre a corrupção na cidade e a autonomia política da cidade se faz naturalmente.

Brasília foi concebida e construída para ser sede de uma república federativa. Já a Constituição de 1891, que estabeleceu a mudança da capital, determinava que ficaria pertencendo à União um quadrilátero no planalto central a fim de nele localizar-se o Distrito Federal. Sendo propriedade da União, só a União deve exercer no território a plena soberania política, não se admitindo aí a autonomia concedida aos estados federados. Brasília é a sede comum de todos os estados brasileiros, reunidos na Federação, não é a capital de um estado. Seus administradores, sendo eleitos, como são hoje, julgam-se chefes de estado, e não simples prefeitos. O absurdo é tamanho que as secretarias municipais (porque, no fundo, não passam disso) se intitulam “Secretarias de Estado”, e os governadores, com a exceção citada, comportam-se como se governadores de estado fossem.

O Presidente, na sede da República, não passa de um hóspede do governador do Distrito Federal, sem o poder de determinar nem mesmo o uso racional do espaço público da cidade. Entre as várias propostas para resolver-se o problema, há a de que se considere, como Distrito Federal, apenas o Plano Piloto, e as cidades satélites se convertam em municípios de um novo Estado. O Plano Piloto passaria a ser administrado por um prefeito nomeado pelo Presidente da República.

Há uma resistência obstinada dos políticos de Brasília a essa ou a outra solução mais racional, que seria a da revogação, por emenda constitucional, da autonomia, que não constitui cláusula pétrea da Carta. Mas, se não ocorrer uma saída ou outra, dentro de algumas décadas o Brasil terá que construir outra capital, porque Brasília perderá todas as condições políticas para sediar a Chefia do Estado Nacional e do governo da União.

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